quarta-feira, janeiro 04, 2006

Resignação

Pouco ou nada consegui espremer dos dias que passaram. Não sei se por ter apertado com pouca força, se porque eram assim mesmo: secos por natureza. Há uma calma decalcada no aspectos das coisas... o mundo aparenta estar em poisio.. o vento mal se notou, a chuva tem rareado, o tempo arrasta-se reticente entre um dia e outro como se tivesse escolha, e por dentro da roupa pesada encolhem-se ombros ora resignados, ora com frio, em ambos os casos com óbvias diferenças nos resultados, porque se contra o frio esse gesto ainda adianta alguma coisa, no que toca à resignação vale menos que fazer nada. A resignação é a cauterização das terminações nervosas da alma. É uma espécie de segunda pele que enganadoramente se sente. Diz um dicionário que resignação pode ser também coragem face à adversidade. Que seja. Continua a valer o mesmo, apesar da novidade.


Episódios (III)

De quem é o olhar
Que espreita dos meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?
Por que caminhos seguem,
Não os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo?

Às vezes, na penumbra
Do meu quarto, quando eu
Para mim próprio mesmo
Em alma mal existo,
Toma um outro sentido
Em mim o Universo -
É uma nódoa esbatida
De eu ser consciente sobre
Minha ideia das cousas.

Se acenderem as velas
E não houver apenas
A vaga luz de fora -
Não sei que candeeiro
Aceso onde na rua -
Terei foscos desejos
De nunca haver mais nada
No Universo e na Vida
De que o obscuro momento
Que é a minha vida agora:

Um momento afluente
Dum rio sempre a ir
Esquecer-se de ser,
Espaço misterioso
Entre espaços desertos
Cujo sentido é nulo
E sem ser nada a nada.

E assim a hora passa
Metafisicamente.

- Fernando Pessoa -