quinta-feira, março 15, 2007

Prazeres

Umberto Eco publicou um novo livro chamado "A passo de gambero" (tr. A passo de caranguejo). Infelizmente não vou poder usar palavras minhas para descrever o livro porque ainda não o li. Aliás, ainda nem sequer o comprei. Para ser honesto, até agora a única coisa que consegui fazer - melhor dito, ainda não consegui parar de fazer - foi aguar. Assim, fica aqui a nota de edição, retirada daqui.

Nota de Publicação:

“Os escritos reunidos neste livro foram publicados entre o início de 2000 e o final de 2005, os anos do 11 de Setembro, das guerras no Afeganistão e no Iraque, da instauração de um regime de populismo mediático em Itália. Ao lê-los, o leitor comprovará que desde o fim do último milénio temos vindo a caminhar para trás a um ritmo dramático. A seguir à queda do Muro de Berlim foi necessário desenterrar os mapas de 1914. As nossas famílias voltaram a ter empregados de cor, como em E Tudo o Vento Levou. A pouco e pouco, o vídeo fez com que a televisão se pudesse converter num cinematógrafo e, graças à ajuda da Internet e das pay-tv, Meucci levou a melhor sobre Marconi e a sua telegrafia sem fios. Agora, o i-Pod reinventou a rádio.

Terminada a Guerra-fria, os conflitos no Afeganistão e no Iraque fizeram-nos regressar à Guerra Quente; desenterrámos o Grande Jogo de Kipling e voltámos aos tempos do choque entre o Islão e a Cristandade, com os novos assassinos suicidas do Velho da Montanha e os gritos de «socorro, os Turcos!».

Apareceu outra vez o fantasma do Perigo Amarelo, ressurgiram as disputas entre a Igreja e o Estado, a polémica antidarwiniana do século XIX e o anti-semitismo, e o nosso país voltou a ser governado pelos fascistas (muito post, é certo, mas alguns indivíduos ainda são os mesmos). Quase que parece que a História, cansada das confusões dos últimos dois mil anos, se está a enrolar em si própria, caminhando velozmente a passo de caranguejo.

Este livro não pretende explicar o que é que devemos fazer para reencontrar a direcção certa, propõe-se apenas travar por alguns instantes este movimento retrógrado.”

Deixo também a tradução de um excerto de uma entrevista sobre o anterior livro "La misteriosa flama de la Reina Loana" (tr. A misteriosa chama da Rainha Loana), onde Eco faz o que eu adoro: unir os extremos de uma questão. O original pode ser encontrado aqui.

"Não conheço ninguém que tenha vivido apenas com Johann Sebastian Bach e Shakespeare. Vivemos vendo TV; ouvimos canções. Tenho sempre em mente um artigo de Proust: "“Éloge de le mauvaise musique,” ou elogio à má música. O que por vezes chamamos má música, a música popular, foi parte das nossas vidas e contribuiu para nos formar, tal como somos. Faz parte da nossa memória. Quando se faz um juízo de valor, podem fazer-se distinções - porque motivo Shakespeare é mais importante que Mandrake. Algumas pessoas dizem, "Estás interessado em cultura pop, por isso para ti, Shakespeare e Mandrake são a mesma coisa.". Isso é idiótico. Quando não nos nos embrenhamos em julgamentos críticos, mas ao relembrar como crescemos, a interligação entre cultura pop e alta cultura é total. Como categorizar a canção de embalar que a nossa mãe cantava quando éramos bebés - cultura pop? Alta cultura? As nossas vidas são feitas dos dois."